Por que terroristas islâmicos fazem decapitação?

Andries Viljoen
8 min readMar 21, 2024

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Prática bárbara tem base teológica e corânica

Desde o 7 de outubro, quando o grupo terrorista Hamas matou cerca de 1400 civis israelenses, turistas e até beduínos, diferentes relatos de decapitação surgiram. O mais bombástico foi a respeito da suposta decapitação de 40 bebês em um kibbutz. Fiz checagem deste caso. Nenhuma das fontes originais deram a entender que o número fosse exato. Na verdade, a primeira fonte, i24 News, citando oficiais das Forças de Defesa de Israel, disse “cerca de 40 bebês e crianças pequenas — algumas com suas cabeças cortadas”.

Foi desinformação, a palavrinha da moda de quem defende a censura? Só em um dos dois sentidos da palavra, que no inglês recebem termos diferentes: misinformation é a desinformação culposa (sem intenção de enganar), disinformation é a desinformação dolosa. Foi, portanto, um telefone-sem-fio das redes sociais. O fato é que sim, os militantes do Hamas decapitam pessoas, como confirmarão os vários jornalistas que viram uma compilação de 43 minutos das atrocidades do Hamas exibida em sessões para a imprensa por Israel com autorização das famílias das vítimas. Pedro Doria e Felipe Moura Brasil, com históricos opostos de alinhamento político, relataram uma tentativa dos terroristas de arrancar a cabeça de um homem aparentemente ainda vivo com uma pá.

Outra cena, que ficou comigo só pela descrição do jornalista britânico Andrew Neil, também mencionada pelos dois brasileiros, foi a de um pai com seus dois filhos correndo para um cômodo dos fundos de sua casa. Os terroristas jogam uma granada, que mata o pai e banha os filhos em sangue, e faz um dos meninos sangrar por um olho. Levado pelos terroristas de volta para dentro de sua casa, um dos meninos pergunta, desesperado, “por que estou vivo?”

Até este ataque, eu não arriscaria dizer qual dos dois lados dessa guerra mente mais. Agora está muito claro. Quando você vir na imprensa “Ministério da Saúde de Gaza informa que X mil civis palestinos morreram vítimas das FDI”, saiba o seguinte: este órgão é um braço do Hamas. Eles mentiram que um hospital foi bombardeado deixando quase 500 mortos, enganando o New York Times e a BBC, que precisaram se desculpar depois. Porta-vozes do Hamas já disseram que não se responsabilizam pelos civis palestinos, que a segurança deles é só de responsabilidade da ONU e de Israel, e que os quilômetros de túneis construídos com dinheiro vindo do Catar, do Irã e de doações são só para os combatentes. Disseram também que repetirão o ataque terrorista do 7 de outubro até Israel ser eliminado. Está tudo nas contas do MEMRI (Instituto de Pesquisa de Mídia do Oriente Médio), que eu conheço desde 2007 por fazer traduções do árabe para ocidentais.

O Hamas é um grupo religioso. Seu estatuto de 1988 cita um famoso hádice (um dos textos sagrados do islã além do Corão) antissemita que diz que, no juízo final, os judeus serão caçados e se esconderão por trás de árvores e pedras, e as árvores e pedras denunciarão o esconderijo para os muçulmanos os matarem. O islã tem uma doutrina que autoriza o uso da mentira para três propósitos: agradar a esposa, sobreviver à perseguição e enganar os infiéis no contexto da jihad, a guerra sagrada para expansão de seu domínio. Esta é a doutrina da taqiya.

Toda religião tem diversidade de opinião interna. As que têm textos sagrados, até mesmo textos sagrados que se afirmam infalíveis e inalteráveis, têm dificuldades de manter seus fiéis na linha, especialmente quando são cercados de conhecimentos e visões morais inovadoras que desafiam esses textos (no direito não é muito diferente, pergunte aos constitucionalistas o que eles acham da capacidade do STF de respeitar a letra do texto da Constituição ultimamente…). Então ninguém está dizendo aqui que o Hamas é um exemplo paradigmático de comportamento muçulmano. Quem quiser ver a diversidade de opinião dos muçulmanos pode visitar uma ampla pesquisa de opinião do Pew Research Center em 2013. Eis algumas estatísticas preocupantes para a amostra de cerca de mil palestinos: 84% deles são a favor de apedrejar mulheres adúlteras, 40% acham justificável usar homem-bomba, 66% pensam que o abandono da fé islâmica deve ser pago com a morte. Dez anos se passaram desde essa pesquisa, então algo pode ter mudado. Mais recentemente, em pesquisa de 2017 do mesmo centro, grandes maiorias de países muçulmanos desaprovaram o Estado Islâmico.

Como pensam os muçulmanos que vivem no exterior? Entre os que são cidadãos britânicos, numa pesquisa de 2016, quando perguntaram quem foi responsável pelo ataque às torres gêmeas em 2001, 52% disseram que não sabem, 31% disseram que foi o próprio governo americano, 7% disseram que foram os judeus, e só 4% acertaram que foi a Al Qaeda — opinião de 71% da população geral britânica, o que demonstra algum grau de isolamento cultural. Já entre os muçulmanos dos Estados Unidos em 2017, 92% dizem ter orgulho de serem americanos e dois terços dizem que há mais de uma interpretação legítima para o islã. O Pew notou um aumento do número de muçulmanos americanos que dizem que a homossexualidade é moralmente aceitável entre 2007 (38%) e 2014 (45%), mas ambas as amostras foram pequenas (116 e 237 pessoas, respectivamente), logo, nem vale a pena memorizar esses números, embora a tendência possa ser real. Em todo o mundo, a correlação negativa entre considerar a religião muito importante na vida e aprovar o casamento gay é forte.

A decapitação tem base em textos sagrados do islã

Em Matheus 10:34, Jesus diz “Não penseis que vim trazer paz à terra; não vim trazer paz, mas espada”. Em outras passagens, ele diz que veio para voltar membros de uma família uns contra os outros. Isso complica a imagem do cristianismo como religião da paz e da família — complica, mas não refuta, porque o principal critério pelo qual o cristianismo (ou o islã) deve ser julgado é pelo comportamento de seus fiéis. E é simplesmente raro que eles usem o versículo da espada para justificar matança.

O Corão e demais textos sagrados do islã, em comparação, têm passagens mais enfáticas a favor da violência que podem por sua própria natureza chamar mais à ação. Outro problema é que lideranças muçulmanas são ainda mais fragmentadas que as cristãs, o que dá mais vazão ao literalismo, e os países de maioria islâmica em geral reprimem a liberdade de expressão para críticos seculares da doutrina, enquanto o Ocidente passou por séculos de crítica mais ou menos aberta dos iluministas.

Por que membros do Estado Islâmico dez anos atrás colocavam tanta ênfase em decapitar os infiéis, e o Hamas repete esse comportamento? Bem, para resumir, é porque duas passagens do Corão convidam pela degolação dos infiéis. A Sura 47:4 diz “Então, quando deparardes, em combate, os que renegam a Fé, golpeai-lhes os pescoços, até quando os dizimardes, então acorrentai-os firmemente [os que escaparam à morte]”. Minha fonte, com a adição entre colchetes inclusa, é a tradução do dr. Helmi Nasr, professor de estudos árabes e islâmicos da USP (pp. 839–840). Outras traduções em inglês, como a usada pelo historiador americano do islã Timothy R. Furnish, são mais explícitas: “corte suas cabeças até serem eliminados completamente”.

A Sura 8:12 diz “Lançarei o terror nos corações dos que renegam a Fé. Então, batei-lhes, acima dos pescoços, e batei-lhes em todos os dedos” (p. 279). A versão do Furnish, mais uma vez, é mais explícita: “Lançarei o terror nos corações dos infiéis. Corte suas cabeças, então, e corte todas as pontas de seus dedos”. O Hamas cortou pontas de dedos como método de tortura, como relataram testemunhas das vítimas dos kibbutzim. Itzik Itah, um voluntário chefe da Organização de Identificação de Vítimas de Desastres (“ZAKA”, na sigla em hebraico), relatou à Reuters a seguinte cena: “Abrimos a porta e vimos um homem lá dentro, todo queimado, com os dedos cortados. Quer dizer que deceparam os dedos dele, ele conseguiu correr para uma sala segura, e foi queimado vivo lá dentro”. Coincidência ou Corão?

Furnish explicou, em um texto de 2005, que, embora essas passagens, como as bíblicas, possam ser contextualizadas com outras mais pacíficas, “os mais proeminentes comentadores do Corão ao longo dos séculos na maior parte aceitaram essas passagens ao pé da letra”. Ele cita um exemplo: Abdullah Yousuf Ali (1872–1953) comentou sobre elas que “não se pode fazer guerra com luvas de criança”. O islã e o cristianismo contam com bilhões de seguidores, enquanto o judaísmo tem menos de 20 milhões e ainda não recuperou seus números pré-Holocausto. Isso significa, como disse Furnish, que as minorias literalistas do cristianismo e do islã serão bem mais numerosas que qualquer minoria literalista de judeus ultraortodoxos que levem o Levítico a sério demais.

Há também uma espécie de jurisprudência da decapitação no mundo islâmico, ou seja, precedentes respeitados por muitos. De acordo com Ibn Ishaq, o mais antigo biógrafo de Maomé, o próprio profeta mandou decapitar 700 judeus da tribo Banu Qurayzah em Medina. Xiitas e sunitas históricos se decapitaram mutuamente. Cristãos lutando contra muçulmanos, quando perdiam batalhas, eram decapitados aos milhares, inclusive na Península Ibérica e no Norte da África. “Até o grande e notoriamente tolerante (para seu tempo) Salah al-Din, que retomou Jerusalém dos cruzados em 1187, não se furtou a remover as cabeças de seus inimigos”, conta o historiador americano, que dá um exemplo de cruzado intolerante (Reynauld de Chantillion) que, na opinião dele, mereceu esse destino.

E o Império Otomano, o mais longevo regime maometano da história? “Era quase o mais apaixonado por decapitações”. Eles fizeram rolar a cabeça até do rei húngaro Ladislaus depois da Batalha de Varna em 1444. Como foi a extrema esquerda da Revolução Francesa que mais usou e abusou da guilhotina, talvez não seja de hoje sua paixão pelo islã fundamentalista.

Conclusões

O meu ponto de vista é de um ateu que gosta da Declaração Universal dos Direitos Humanos (exceto as partes em que ela já comete o erro que ficou comum de chamar de “direito” recursos escassos que em última análise precisam vir de outros indivíduos à força — direitos deveriam ser liberdades negativas no sentido de Isaiah Berlin, e apenas do indivíduo). Eu acompanho Karl Popper em achar bizarra a crença judaica (herdada pelos outros grandes monoteísmos abraâmicos) de que eles foram o povo escolhido por Deus, que seria portanto aquele tipo de mau pai que não esconde que tem filhos favoritos. Estou ciente que há extremos no judaísmo inclusive dentro dos assentamentos na Cisjordânia.

Mas estou ciente de outras coisas. Talvez o fato de eu não ter fé seja uma vantagem, aqui, pois eu posso avaliar as três religiões mencionadas sem paixão. Fui criado cristão, mas perdi a fé aos 14 ou 15 anos. Está claro para mim que os judeus são mais isolacionistas que expansionistas. Quando eles ficam expansionistas em Israel, é com a justificativa (real ou imaginada) da segurança. Eles têm direito de se proteger e de ter o seu Estado, suas raízes históricas naquela terra árida são tão legítimas quanto as dos palestinos (confira este texto de Tomas Pueyo). Não gosto da ideia de um Estado com um cheirinho de teocracia, mas Israel, apesar da ênfase no judaísmo, não é uma. Na verdade, é um país diverso que tolera muito mais cidadãos muçulmanos do que os países de maioria muçulmana toleram a presença de judeus. Seu inimigo Irã, sim, é uma teocracia. O Catar também é bastante estrito religiosamente e dá mais dinheiro para o Hamas que o Irã.

Nem os judeus, nem os cristãos, têm doutrinas comparáveis ou tão influentes entre seus correligionários quanto jihad e taqiya, que juntas parecem ser uma justificação para expansionismo colonialista com táticas desonestas e bárbaras.

Nas minhas andanças pelo Brasil e o mundo, já interagi com muçulmanos. Muitas dessas interações foram positivas. Geralmente, o positivo foi apesar do islã, não por causa dele (posso dizer o mesmo, mas com menos intensidade, a respeito de versões de cristianismo e judaísmo). Uma história que carrego comigo é a de uma linda acadêmica, com uma bela cor de pele parda “oliva”, uma risada explosiva e bastante inteligente. A família muçulmana soube que ela beijou um rapaz “infiel” e reagiu forçando-a a se submeter a um casamento arranjado. Eu a vi algumas vezes depois disso: com um véu, semblante mais triste, sua risada não mais balançando os corredores do campus. Islã significa, ao pé da letra, submissão. Por um motivo ou outro, quem acredita no Corão acha essa ideia bonita. Eu, não. Acho quase tão repugnante quanto cortar a cabeça de um judeu quase morto com uma pá.

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