Homeland: temporada 1

Andries Viljoen
8 min readNov 29, 2020

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Homeland - temporada 1: AVISO: Esta entrada inclui informações relevantes sobre o enredo da série pelo que só é aconselhável lê-la caso tenha visto a primeira temporada de Homeland/Segurança Nacional.

Inteligente, adulta, provocante e absurdamente tensa, Homeland é um soco no estômago de uma América a lamber as feridas do 11 de setembro e a expurgar os fantasmas da última década. Mas os questionamentos que a série levanta vão muito além das fronteiras norte-americanas e vão ao âmago de cada um de nós: qual o preço a pagar pela nossa segurança? Liberdade? Família? Qualquer hipótese de redenção? Como se não bastasse este fabuloso estudo de personagens imersas nas suas convicções, Homeland ainda oferece um duelo de intepretações (Claire Danes e Damian Lewis nos papeis das suas vidas) simplesmente magistral. Sem mais, a melhor série do ano!

ALERTA DE SPOILER! Este post contém informações relevantes, pelo que é aconselhável que só leiam caso estejam a par da exibição norte-americana.

Claire Danes e Damian Lewis nos papeis das suas vidas

Homeland: temporada 1

Há várias semanas que queria escrever sobre Homeland, sobre o prazer que ela me devolveu em acompanhar uma série todas as semanas, isto numa altura em que as estreias não chamam a atenção (American Horror Story?! Terra Nova?!), em que as de longa data apresentam imenso desgaste (How I Met Your Mother, House) e ainda outras que vão ladeira abaixo (Dexter foi particularmente penoso de assistir, mas isso fica para outro texto). Esfriei os ânimos e decidi esperar pelo final, não fosse desapontar-me a valer. Felizmente, isso não aconteceu. Pode ser difícil de acreditar, mas desde o primeiro ano de LOST que eu não via uma temporada de estreia tão absorvente, intensa e viciante.

Baseado num original israelita, Homeland começa com o regresso do sargento Nicholas Brody de regresso aos EUA após um cativeiro de oito anos no Iraque como prisioneiro de guerra da Al-Qaeda. De regresso a uma família que já havia seguido o seu rumo sem o patriarca, Brody é encarado como um herói por todos exceto a agente Carrie Mathison, que tem a informação de que um militar norte-americano foi convertido ao Islamismo e aos dogmas da organização terrorista. Trabalhando diretamente com Saul Berenson, que serve como mentor, Carrie fará tudo para provar que um ataque aos EUA é iminente ao mesmo tempo que lida com questões pessoais que podem pôr em causa a sua competência profissional e, pior ainda, a sua sanidade.

Ou seja, Brody pode ou não ser um terrorista, Carrie pode ou não estar certa ou, pelo menos, não completamente. Assim, somos atirados de cabeça num jogo de gato e rato, cheio de reviravoltas, traições e onde nada é o que parece. Se isto não soa especialmente inovador para quem já viu Prison Break ou 24 (com a qual divide alguns produtores), Homeland mergulha fundo na mente daqueles indivíduos e percebemos os seus desejos, os seus medos e as suas contradições. Carrie é astuta, determinada e inteligente, mas não será a sua instabilidade psicológica acentuada por anos e anos de trabalho árduo na CIA? Ou é a sua particularidade que a torna numa profissional tão competente? Por outro lado, Brody vê-se num mundo onde não se encaixa, rompe com a dinâmica familiar estabelecida na sua ausência e tem comportamentos estranhos. Será mesmo um terrorista? Ou terá se convertido como mecanismo de defesa?

Ao desenvolver as suas personagens cuidadosamente, Homeland faz com que nos preocupemos com cada uma delas e as consequências dos seus actos, enquanto aumenta a tensão em cenas compostas por confrontos verbais ou um simples teste do polígrafo. Além disso, a série não pinta a CIA como uns santos em defesa da pátria e ilustra bem as motivações dos terroristas bem como as ações destrutivas de ambas as partes em conflito — e é este clima de ambiguidade, em que nada é preto no branco em diferentes escalas, que torna a série tão fascinante e adulta. Mas o que realmente faz desta temporada de Homeland algo tão memorável é a sua ousadia em cruzar linhas que dávamos como certas e, deste modo, abrir toda uma janela de possibilidades — e, volto a repetir, este texto está cheio de spoilers, por isso é melhor parar de ler por aqui. Eu estou a avisar.

Eu avisei.

Continuando…

Quando Carrie e Brody se envolvem romanticamente no brilhante sétimo episódio, a narrativa faz aquilo a que poucas se atreveriam ou, pelo menos, não tão cedo. Sem o auxílio da vigilância ilegal que instalara na casa do sargento, Carrie vê-se obrigada a revelar-se e a conviver com o suspeito que logo se revê no seu caráter autodestrutivo, já que ele próprio está em vias de perder tudo aquilo que tinha. Ela, no entanto, vê nele alguém que preencha o vazio da sua carência emocional e ambos estabelecem um vínculo fugaz, mas marcante. Ela comete um erro, abre o jogo e a série responde a um monte de perguntas que outro produto televisivo arrastaria durante semanas. Aquele fim de semana, contudo, fornece dados que Carrie usará no último episódio para indiretamente (e sem saber) prevenir o ataque terrorista que Brody levara a cabo. A história pode tomar algumas direções bizarras e improváveis, mas, se formos a pensar bem, elas surgem lógicas e condizentes com as personalidades daqueles indivíduos.

A encabeçar um elenco de prestações homogéneas, Claire Danes dá um verdadeiro espetáculo como a decidida Carrie ao dominar todas as facetas da personagem: o génio forte, a instabilidade, a inteligência, a sagacidade, o descontrolo e uma certa vulnerabilidade (e a atriz é inteligente ao abraçar os traços menos atraentes de Carrie sabendo que o sucesso desta não depende da simpatia irrestrita do espectador). Dispensava-se era a narração sobre a sua ineficácia em impedir o 11 de Setembro, uma vez que custa acreditar que a jovial Carrie fosse um agente influente aos vinte e poucos anos, mas em tudo o resto Danes é dinamite pura. E mais: com o carismático Mandy Patinkin, ela estabelece uma dinâmica de pai e filha genuína e que nos leva a temer pela mesma devido às ações impensadas dela. Damian Lewis também brilha a grande nível como o ambíguo sargento Brody e Morena Baccarin destaca-se como a sofrida esposa que tenta endireitar a vida com a chegada do marido desaparecido.

No final, com Brody em direção à política e Carrie a submeter-se a um tratamento de choque, Homeland planta as sementes do já anunciado segundo ano. Porém, tirando uns pozinhos aqui e ali, este seria o final perfeito caso estivesse a falar de uma minissérie, já que os arcos dramáticos deles foram, de certa forma, satisfatoriamente resolvidos: ele em relação à família e à sua missão; ela em relação à doença. Posso até apostar que a próxima temporada não estará ao nível desta, mas estou em pulgas para saber que cartas é que os argumentistas têm na manga. Mesmo assim, fica a memória de 12 maravilhosos capítulos que fazem da temporada algo envolvente, instigante, conciso e perfeito.

Melhor episódio: 1×07 — The Weekend: a meio da temporada de estreia, a série vira o jogo de maneira chocante e abre toda uma janela de possibilidades.

Pior episódio: 1×02 — Grace: escolha difícil e injusta numa temporada marcada por uma qualidade altíssima, mas empalidece um pouco em relação ao brilhante capítulo de estreia.

Visto que hoje estreia a oitava e derradeira temporada de Homeland/Segurança Nacional, quis escrever sobre aquela que considero, até ao momento, a série mais bem feita dos últimos anos.

Na verdade, não tenho muito a dizer em termos de crítica que já não tenha sido dito antes, sobretudo depois de outro autor o ter feito de forma primorosa, como poderão ver AQUI. Limitar-me-ei, por isso, a fornecer a minha visão pessoal da série.

Uma das coisas de que mais gosto em Homeland é o facto de me recordar 24 — aliás, um dos atuais produtores também trabalhou na série protagonizada por Kiefer Sutherland — e as questões que debatia: intolerância religiosa, o choque entre os princípios idealistas e a segurança nacional. Homeland aborda estes temas de forma ainda mais brilhante pois, aqui, praticamente todas as personagens são muito humanas, com virtudes e defeitos, sem pretos e brancos. Isto desde as personagens principais àquelas que apenas participam em um ou dois episódios.

Há uns anos, li uma entrevista de Kiefer Sutherland em que este opinava que 24 devia ser mais explícita. Homeland não tem esse problema. Admito que não estava habituada a isso, que demorei algum tempo a adaptar-me. Ainda me questiono se algumas cenas de sexo são absolutamente necessárias. No entanto, faz tudo sentido dentro do contexto. Não se trata de sexo e violência gratuitos, como em Spartacus.

Engraçado é ver as legendas da Showtime para disfarçar a linguagem violenta. O exemplo mais ridículo é uma deixa que, traduzida literalmente, daria: “Não consegues f*der a tua mulher” mas cuja respetiva legenda é “Não consegues fazer amor com a tua mulher”. Tudo a ver…

A primeira temporada teve vários episódios marcantes mas, para mim, o mais marcante foi o último. De cortar a respiração, em particular durante a cena em que Brody fala com a filha ao celular. A maneira pueril, crua, como Dana pede ao pai para voltar para casa é de partir o coração. E, obviamente, resulta.

A premissa com que a primeira temporada é encerrada, “Porquê matar um homem quando se pode matar uma ideia?” deixou-me um pouco de pé atrás. Dá a entender que Brody adotará, na segunda temporada, uma atitude mais diplomática, mais pacifista. É um exemplo bonito, quem me dera que a Al-Qaeda adotasse esta metodologia de matar ideias em vez de pessoas. Mas não sei se funcionará em termos de ficção.

A série — uma das preferidas de Barack Obama — foi uma das grandes vencedoras dos Emmys deste ano, merecidamente e sem surpresas. Daí que, depois de a FOX a ter relegado para segundo plano no ano passado — chegando mesmo, na reta final, a despachá-la com dois episódios por semana e dando maior protagonismo a produções como Spartacus e Walking Dead. Séries bem inferiores mas, pelos vistos, generosamente patrocinadas — esta temporada, Segurança Nacional seja exibida apenas uma semana após a exibição nos Estados Unidos. Tanto quanto sei, tal honra só foi concedida a Lost. Estou ansiosa por ver Homeland. Será refrescante ter episódios novos de uma boa série, numa altura em que, como afirmei anteriormente, é cada vez mais difícil fazê-lo. Espero, por isso, que Homeland se mantenha no topo da qualidade por muitos mais anos. Mas, para já, veremos se consegue fazê-lo nesta sua segunda temporada.

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